Dr. Nelson Nisenbaum
Nada como a história para que o conhecimento e a experiência sejam testados, independentemente dos resultados. O caso do envenenamento das cervejas com dietilenoglicol, em Belo Horizonte, ocasionando 29 vítimas, sendo dez fatais e dezenove sobreviventes, teve um rápido desfecho e esclarecimento, diferentemente do caso do óleo espalhado nos litorais dos estados das regiões nordeste e sudeste brasileiras. A enorme diferença entre os dois casos, no que tange à investigação e à conclusão (no caso do óleo, à falta de conclusão), é que um time entrosado de médicos, enfermeiros, técnicos e gestores de saúde pública estava no local certo na hora certa. O fluxo de tratamento da informação, iniciativa de investigação, inteligência e operação só foi possível diante de uma organização perene e articulada de profissionais que felizmente ainda encontramos no Sistema Único de Saúde (SUS), que mais uma vez deu prova da sua necessidade como ferramenta estratégica de Estado para a proteção da sociedade. Prova mais cabal disso é o que vem ocorrendo no enfrentamento do novo coronavírus. É de fundamental compreensão que os mecanismos de formação e estabilização de um sistema com essas características e competências são claramente desenhados pela nossa Constituição de 1988 e pela legislação original do SUS, no formato de um aparelho estatal que acolhe profissionais por concurso público e os mantém em carreiras estáveis, pois a capacidade de resposta a esses eventos é algo em permanente construção e aprimoramento, dependente das experiências exitosas construídas no seu seio e da acumulação e segurança do conhecimento adquirido. A lógica das terceirizações corrompe fortemente essas estruturas, impondo um alto turnover e implodindo a capacidade de acumulação de conhecimento entre os entes individuais e estruturais do sistema. O contraste óbvio é a absoluta incapacidade que o governo federal mostrou na gestão da crise do óleo, já que, além de ampliar a destruição dos patrimônios biológicos e turísticos, retardou as investigações ao nível da inviabilidade de uma solução para o caso. Incompetência que também vem demonstrando no enfrentamento da pandemia. Na contramão da lógica do SUS, o governo também tratou de desmantelar a rede de atenção ao meio ambiente logo no início da gestão Bolsonaro. Esperamos que a sociedade consiga extrair desses exemplos o aprendizado para que o país, no curso de sua democracia, consiga manter o SUS e combater a pandemia com as políticas de Estado no seu devido patamar e integridade. Disso depende o nosso futuro. Para muitos dos venenos da história, o SUS é o antídoto.
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